segunda-feira, 26 de maio de 2008

“A Igreja no tempo e em cada tempo”

Já era tempo...
Li e até gostei.
Por isso aconselho a sua leitura.
O Igreja, na pessoa do nosso Cardeal, manifestou-se acerca das relações igreja/estado. Colocou claras algumas coisas...
Aqui vai a transcrição de alguns excertos:

"A Igreja no tempo e em cada tempo”

"18 A Igreja vive e realiza a sua missão, não numa situação ideal, mas num tempo concreto, a sociedade actual, com as suas características muito marcadas, como vimos, pela mutação cultural. Embora a relação primordial da Igreja seja com a sociedade, a quem é enviada, ela não coincide com a sociedade. Esta é plural, variada, aceitando cada vez mais dificilmente qualquer primazia da Igreja, quer na afirmação dos valores morais, quer mesmo na proposta da verdade. A Igreja mestra da verdade, princípio que inspirou, durante séculos, a relação da Igreja com a sociedade, é cada vez menos aceite. O mais claro e essencial do seu Magistério é facilmente relegado para o nível da opinião. Duas atitudes da Igreja são, hoje, melhor aceites: a generosidade do serviço, sobretudo dos mais pobres, e a força do testemunho. "
(...)
"No nosso caso nunca podemos esquecer que os membros da Igreja são parte significativa da sociedade, o que faz com que os desvios desta signifiquem também fragilidade da própria Igreja. Esta deve estar atenta aos dinamismos positivos que surgem na sociedade e reconhecer a convergência entre esses dinamismos e a missão da Igreja. É o que significa o desafio lançado pelo Concílio, de ler continuamente “os sinais dos tempos” e de identificar neles portas abertas ao Reino de Deus. Também assim a Igreja realizará a sua missão na sociedade, de a ir transformando pelo anúncio da mensagem de Jesus Cristo."
(...)
"A Igreja e o Estado
19. O Estado é uma estrutura ao serviço da sociedade, mas também não se identifica com ela. Qualquer tentativa de identificação entre o Estado e a sociedade é génese de poder ditatorial, anti-democrático. Cada um na sua esfera específica, a Igreja e o Estado têm em comum o estarem ao serviço da sociedade. Os pontos de convergência e de possível colaboração entre o Estado e a Igreja, procurando o bem-comum, são de assumir positivamente pelo Estado e pela Igreja. Esse é o espírito da Concordata recentemente celebrada entre a Santa Sé e o Estado Português.
A sociedade portuguesa é uma sociedade democrática, regida pela Constituição, que obriga toda a sociedade e, por conseguinte, também a Igreja. Esta respeita a Constituição, reconhece que ela se aplica a todos os portugueses e respeita e colabora com todos os órgãos do Estado legítimos, isto é, constituídos segundo as normas constitucionais."

(...)

"* A sua laicidade. Longe vão os tempos em que o Estado português se afirmava como católico e reconhecia no catolicismo a sua religião. A sociedade é plural do ponto de vista religioso e, por isso, o Estado não pode ter religião, respeita todas, reconhece-lhe os seus direitos, e reconhece também os que não têm religião. A laicidade afirma-se, assim, como uma neutralidade em matéria religiosa, neutralidade que exige também que a não religião ou o laicismo não se transformem em doutrina do Estado."

"* A separação entre a Igreja e o Estado. É uma exigência da laicidade e pôs termos à mistura de esferas, frequente no estatuto de Estado confessional. “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, ensinou Jesus (Mt. 22,21). As únicas áreas de convergência, que não podem ser de confusão, entre a acção da Igreja e do Estado, são o serviço da sociedade e a busca do bem-comum. Embora a Lei de 1911 fosse uma má Lei, a Igreja aceita e respeita este estatuto de separação. "
(...)

"No que aos órgãos eleitos diz respeito, é a sociedade no seu todo, na pluralidade da sua realidade, que os elege. Os católicos devem assumir a responsabilidade cívica de participarem conscientemente nessa eleição. O único caminho democraticamente legítimo de a Igreja influir nas estruturas do Estado é a participação consciente dos membros da Igreja nos processos democráticos. A Hierarquia respeita a pluralidade de opções partidárias por parte dos católicos. Deve entretanto ajudá-los a formar a sua consciência cívica e a visão dos problemas da sociedade em chave cristã. Também aqui o caminho da Igreja é a evangelização, em ordem a uma visão de todas as coisas iluminada pela fé. A Hierarquia não deve intervir no processo democrático com os métodos do confronto. Os católicos sim, esses podem e devem fazê-lo. "
(...)
"O quadro legal das relações da Igreja com o Estado
21. Além da Constituição, o principal instrumento legal é a Concordata celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé. "
(...)
"A Concordata de 2004, tal como já tinha acontecido com a de 1940, precisa de legislação complementar da competência da Assembleia da República ou do Governo, através de Decretos-Lei, processo agora em curso e que deve respeitar o espírito inspirador de toda a Concordata. "
(...)

Lisboa, 18 de Maio de 2008

domingo, 4 de maio de 2008

ACERCA DA DEMOCRACIA

"Num regime democrático, onde as leis e as decisões se estabelecem sobre a base do consenso de muitos, pode atenuar-se na consciência dos indivíduos investidos de autoridade o sentido da responsabilidade pessoal. Mas ninguém pode jamais abdicar desta responsabilidade, sobretudo quando tem um mandato legislativo ou poder decisório que o chama a responder perante Deus, a própria consciência e a sociedade inteira de opções eventualmente contrárias ao verdadeiro bem comum (...) Uma norma que viole o direito natural de um inocente à vida é injusta e, como tal, não pode ter valor de lei". (João Paulo II "O Evangelho da Vida", 90)

quinta-feira, 1 de maio de 2008

UMA NOVA SOCIEDADE MAIS JUSTA?

Dizia Leão XIII na Rerum novarum nº 2:

"Em todo o caso, estamos persuadidos, e todos concordam nisto, de que é necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida. O século passado destruiu, sem as substituir por coisa alguma, as corporações antigas, que eram para eles uma protecção; os princípios e o sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça duma concorrência desenfreada. A usura voraz veio agravar ainda mais o mal. Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens ávidos de ganância, e de insaciável ambição. A tudo isto deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram o quinhão dum pequeno número de ricos e de opulentos, que impõem assim um jugo quase servil à imensa multidão dos proletários."



O que mudou?



João Paulo II Respodeu na Centesimus annus nº 61:



"No início da sociedade industrial, foi «o jugo quase servil» que obrigou o meu predecessor a tomar a palavra em defesa do homem. Nestes cem anos, a Igreja permaneceu fiel a esse empenho! De facto, interveio nos anos turbulentos da luta de classes, a seguir à primeira guerra mundial, para defender o homem da exploração económica e da tirania dos sistemas totalitários. Colocou a dignidade de pessoa no centro das suas mensagens sociais, após a segunda guerra mundial, insistindo sobre o destino universal dos bens materiais, sobre uma ordem social sem opressão e fundada no espírito de colaboração e solidariedade. Depois reiterou constantemente que a pessoa e a sociedade não têm necessidade apenas destes bens, mas também de valores espirituais e religiosos. Além disso, tendo verificado cada vez mais como tantos homens vivem, não no bem-estar do mundo ocidental, mas na miséria dos Países em vias de desenvolvimento e padecem uma condição que é ainda a do «jugo quase servil», sentiu-se na obrigação de denunciar essa realidade clara e francamente, embora sabendo que este seu grito não será sempre acolhido favoravelmente por todos.
Cem anos depois da publicação da Rerum novarum, a Igreja encontra-se ainda diante de «coisas novas» e de novos desafios. Por isso, este centenário da Encíclica deve confirmar em sua tarefa todos os «homens de boa vontade», e especialmente os crentes."



Mais de mil milhões de seres humanos vivem com menos de um dólar americano por dia, 2.700 milhões de pessoas lutam pela sobrevivência com menos de dois dólares por dia e 880 milhões de pessoas, entre as quais se encontram 300 milhões de crianças, vão todos os dias para a cama com o estômago vazio. Todos os anos, mais de seis milhões de crianças morrem de doenças que se poderiam curar ou evitar como o paludismo, a diarreia e a pneumonia.
Em várias regiões de África, Ásia e América Latina, a pobreza e as carências que esta produz (falta de água, desflorestação, desemprego e falta de assistência médica adequada) põe em perigo a vida de muitas pessoas.
A solidariedade, e não o mercado livre, poderá ajudar os países pobres a vencer estas pragas.


Não obstante, as grandes potências económicas procuram impor o mercado livre ao resto do mundo porque resulta em seu próprio benefício e permite-lhes manter uma posição privilegiada no sector da economia, da investigação, do comércio e do desenvolvimento.
Os estados industrializados do G8 põem muitas dificuldades aos países do Terceiro Mundo desejosos de vender os seus produtos nos mercados internos dos países ricos, os quais utilizam a sua influência junto do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e da Organização Internacional do Comércio para exigir que os países pobres abram as suas fronteiras aos produtos dos países industrializados.
Além disso, o sistema económico actual tende a pôr os trabalhadores em competição, impondo reduções salariais e condições laborais cada vez piores.
Dito de outro modo, as grandes potências fixam as regras do jogo económico que mais lhes convém. E, além de imporem a liberalização do comércio de produtos, abriram uma nova frente na área financeira e de serviços, incluindo a saúde, a educação e a água. Trata-se de um projecto muito perigoso, visto que a privatização de serviços tão vitais limitaria o acesso unicamente às pessoas que os possam pagar. Todos devemos ter acesso à água, à saúde e à educação, que não podem ser tratadas como se fossem meras mercadorias
Não podemos aceitar que um grupo reduzido de países da Europa Ocidental, América do Norte e Sudeste Asiático continuem a prosperar enquanto o resto do mundo se afunda cada vez mais na espiral da dívida e na miséria. Não é humano!
Queremos reforçar a ideia de que o mundo precisa de generosidade e de solidariedade. As ajudas são necessárias mas não bastam. Além disso, há que promover a justiça social e a solidariedade global em lugar do medo, da desconfiança, da hostilidade, da competição, das rivalidades e da exploração capitalista. O perdão das dívidas impagáveis é essencial mas se não se alteram as regras do comércio mundial, noivas dívidas não tardarão a substituir as antigas. Um outro mundo é possível. Para continuar a construí-lo, há que recusar o sistema que põe os trabalhadores uns contra os outros. Há que reduzir o poder do capital e fomentar a cooperação internacional e o desenvolvimento da solidariedade a todos os níveis.
No momento em que trabalhadores e trabalhadoras do mundo inteiro celebram a solidariedade que os une, partilhamos a esperança de que chegue um mundo mais justo e, juntos, exigimos um trabalho decente para todos, condição indispensável para erradicar a pobreza e para que todos os seres humanos possam crescer e realizar-se dignamente.

Uma nova sociedade é possível. Todos juntos construi-la-emos
!