O Concílio criou, por momentos, uma forte respiração de Esperança, logo seguida de uma aparente asfixia. Mas, entre tudo o que de maravilhoso aconteceu no último concílio ecuménico, foi a inesperada constituição conciliar Lumen Gentium que restituiu à Igreja o primado do Povo de Deus, invertendo de uma assentada a pirâmide clerical que punha o Papa acima de tudo, e o Bispo em cada localidade no topo de tudo, e em cada paróquia os Padres à frente de tudo. Mas não é o que ainda agora acontece? Parece, mas não é… mas é!
O “sistema” clerical já não funciona. Já não se aguenta. É um cadáver, um fóssil com os dias contados. O Concílio acabou com a pirâmide, inverteu-a. Virou-a com o bico para baixo.
Mas não há ainda padres a mais? É verdade que eles são cada vez menos. São uma espécie em vias de extinção e não há movimento ecológico ou de protecção de espécies que os salve da extinção. E a Igreja? Essa continuará a ter ministérios: bispos, presbíteros e diáconos e uma multidão de ministérios intermediários. Uns que já existem, outros a criar. A Igreja é um povo, o Povo de Deus, e os ministérios são serviços ao serviço do Povo, desde o ministério do Bispo de Roma que na cadeira-de-Pedro preside à comunhão das Igrejas, até ao Bispo de cada Igreja Local com o seu Presbitério e os Diáconos entre nós ainda a reinventar. A Igreja, que dos Leigos recebe o nome e o conteúdo, é um povo. Uma democracia? Igreja-Democracia? Não, no sentido político, não, tal como também não é uma monarquia. É o Povo de Deus no sentido bíblico , escatológico: um Povo de Santos, Povo de Profetas, o Povo Sacerdotal. Mas os Padres é que são os sacerdotes? Não andamos para aqui cheios de paciência (calados demais) com os mandos e desmandos dos bispos e dos Padres que em nome de um funcionalismo e de funcionalidades fazem gato sapato do Povo de Deus? Não, o Cristo é o único sacerdote. O Cristo, cabeça e corpo, isto é, Ele e Nós, Nós nEle, Ele em-Nós. Impropriamente falando, o ministério episcopal e presbiteral mais tarde, muito depois da Carta aos Hebreus, e na sequência, por quanto presidiam à Assembleia da Eucaristia in nomine Domini, representam Cristo, cabeça da Igreja. Mas não constituem um sacerdócio próprio. Próprio, conforme o ensino dos Apóstolos, é o sacerdócio de Cristo, cabeça e corpo, repito, Ele em-Nós, Nós nEle. A distinção dos dois sacerdócios, dos Padres e dos Leigos, é esta, não há outra. Povo Sacerdotal.
O caminho traçado pela Lúmen Gentium é um itinerário apenas começado. Os velhos vícios do ritualismo e legalismo regressaram rapidamente com grande dano pastoral. No século XIX dizia-se que os grandes avanços litúrgicos aconteciam por "desobediências" ousadas e corajosas. Hoje acontece o mesmo, para o melhor ou para o pior, pois tanto deparamos nas nossas igrejas com belas e vivas celebrações como não poucas vezes estamos condenados a monótonos, repetitivos e enjoativos actos litúrgicos incentivados pelo actual papa.
Claro que ninguém é dono da Liturgia, começando pelo Papa que tem as chaves do Reino, não só ele!
Por ser o Porteiro, não é a Porta e também não é o dono da Casa. Toda esta dialéctica só encontra saída na liberdade dos filhos de Deus, sempre contrariada pelos doutores da Lei hoje tão chatos como foram nos dias de Jesus...
Senhores bispos as paróquias não são tabuleiros de xadez. Senhores padres, as paróquias não são benefícios para manter empregos mais ou menos rentáveis. E o povinho, os ministérios? Paleio de quem quer chegar a uma paróquia, ter tudo organizado, organizar à sua maneira e queixar-se do trabalho e de que os leigos não fazem nada…
Também desse Deus sou ateu. O meu deus é o de Jesus de Nazaré, o “homem”, o “Filho do homem” que se compadece das multidões.
Que fazer face às tristes regressões e estagnações que nos amarguram, ou azedam? Paciência? Sim, mas a paciência que junta a espera com o inconformismo e a luta de quem não pode ficar desorientado nem inactivo.